Como exemplo, consideremos os serviços. Nunca se falou tanto em serviços como nos últimos anos. Em uma sociedade que se tornou de consumo, após longos anos com foco específico na produção, os serviços são essenciais para seu bom funcionamento. Há diversos e consistentes estudos acadêmicos sobre o tema, livros de diferentes autores abordando este mundo e, inclusive, Ps de marketing adaptados aos serviços. Mesmo diante deste esforço, os serviços prestados por empresas e profissionais liberais, frequentemente, ainda são fonte de bastante irritação. Percebemos que, hoje em dia, para a prestação de um bom serviço, o fator humano é essencial. Não o “humano” do departamento de recursos humanos das empresas, mas aquele ligado ao indivíduo, às suas características afetivas, às suas capacidades emocionais. Para sermos bem atendidos, ainda dependemos muitas vezes, infelizmente, do fator sorte. O acaso em encontrar pela frente um ser humano disposto a realmente nos atender bem é o parece determinar, atualmente, uma boa prestação de serviços. Logicamente que um bom treinamento focado no perfil do público que será atendido é fundamental, mas isto é condição necessária e não suficiente para um bom serviço. É fácil constatarmos o que estou falando. É comum em uma mesma empresa sermos tratados de forma completamente diferente, dependendo de quem nos atende. Conseguimos mais informações, cancelar nosso cartão de crédito sem muita dor de cabeça ou pedir uma pizza pelo telefone sem nos desgastar muito, caso nos deparemos com alguém a fim de nos atender bem.
Os bons anos em que trabalhei com a prestação de serviços em empresas como Mattel e Vivo me ensinaram muita coisa. Experimentei na prática a dificuldade que é prestar serviços. Aprendi que devemos separar tratamento de atendimento. Estes dois, normalmente, andam juntos, e são facilmente confundidos. No mundo dos serviços, ser bem tratado não é o mesmo que ser bem atendido. Podemos ser bem tratados e muito mal atendidos. E vice-versa. Por exemplo, ao ligarmos para um banco podemos ser tratados com educação e respeito, mas ficarmos longos minutos conversando com o atendente que não resolve nosso problema porque o sistema está fora do ar, porque não temos uma das dez senhas exigidas neste tipo de serviço etc. Fomos muito bem tratados, mas não fomos adequadamente atendidos. Ou podemos ser mal tratados e bem atendidos. Em um restaurante, por exemplo, é possível que um garçom ríspido consiga nos atender muito bem. Basta que, em meio às suas grosserias, sugira bons pratos, entenda todo nosso pedido e o traga com rapidez. Neste caso o processo de atendimento foi impecável, mas o tratamento deixou a desejar. Portanto, o equilíbrio entre tratamento e atendimento é fundamental para uma boa prestação de serviços.
Voltemos à nossa questão do Brasil e dos países ditos de primeiro mundo por muitos de nossos jovens. Quem conhece bem a cidade de São Paulo, por exemplo, sabe que os serviços, principalmente em restaurantes e bares, são referências mundiais, tanto em tratamento, quanto em atendimento, seja nos locais mais caros ou nos mais simples. Logicamente existem exceções, que não fazem mais do que confirmarem a regra. Os outros serviços como os relacionados ao cartão de crédito, às operadoras de celular e às TVs a cabo parecem deixar a desejar como em todos os cantos do país. Nestes casos, voltamos à lógica do acaso. Se tivermos a sorte de nos depararmos com um atendente de bem com a vida, poderemos ser bem tratados e, caso as regras da empresa não atrapalhem, bem atendidos. Exatamente o mesmo acontece aqui em Londres. Alguns atendentes são pacientes, simpáticos, educados, outros não. Ser bem tratado ou não, mesmo aqui no dito primeiro mundo, também parece ser uma questão de sorte. E o atendimento? Burocrático, complicado e muito demorado. A compensação de um cheque de um banco inglês depositado em uma conta corrente de Londres demora cinco dias úteis para acontecer! E esta é uma transação normal, corriqueira. A instalação de um link de internet, depois de feita a solicitação, demora em média 20 dias. E os restaurantes e bares? Estão na mesma lógica da sorte. Muitas vezes somos bem tratados e outras tantas não, dependendo de quem o destino nos colocou à frente. Atendimento? Este é difícil em Londres, a velocidade é outra. Quem está acostumado à velocidade de São Paulo, sofre em Londres, com a morosidade dos serviços.
Agora, São Paulo está no Brasil. Aquele mesmo país do dito terceiro mundo que muitos querem abandonar porque é pouco digno de ser habitado. Sei que este comparativo é simples porque estamos falando apenas de uma parte da vida atual, os serviços. Mas, se expandirmos esta ideia para outros setores vamos descobrir que o Brasil, assim como a Inglaterra, tem bons e maus produtos, serviços, lugares, governantes, situações, experiências, pessoas etc. etc. A percepção que temos do mundo nos é dada de forma invertida, como dizia o filósofo Spinoza. Primeiro definimos nossos afetos, depois os justificamos. Antes se detesta o Brasil e se quer deixá-lo, depois é que buscamos uma justificativa para tal. Estranho. Talvez o negócio seja tentarmos refletir um pouco mais sobre nossa responsabilidade diante do nosso país. Criticar e esquivar-se do desafio de construir um país melhor não me parece solução plausível, ainda que seja tentadoramente mais fácil. Mas, vale lembrar que existem duas coisas relacionadas às nossas origens em nossas vidas que jamais conseguiremos modificar, mesmo que queiramos muito: nossos pais e nosso país.