Depois de um mês em Londres, sinto que esta não é uma cidade comum, esta metrópole é múltipla. Sua multiplicidade vai além da variedade de cores de pele, idiomas falados e trajes típicos de muitos lugares com que nos deparamos pela rua e que lemos nos guias de turismo como sua característica principal. Há, na realidade, muitas possíveis e diferentes percepções de Londres dentro de cada um que a visita ou vive por aqui. Há muitas Londres circulando pelo imaginário dos indivíduos que circulam pelas suas ruas e, também, dos que estão bem distante daqui.
Londres é barulhenta, corre o tempo todo, é fria. Londres é ao contrário, está espelhada, os carros circulam do lado “errado”. Londres não olha nos olhos. Em Londres tudo está à venda, em Libras. Londres é onde os museus são gratuitos. Londres não é para os mais velhos, é das crianças. Londres não tem mais espaço, mas cresce o tempo todo, não dorme um só minuto. Londres fecha cedo. Londres nunca fecha. Londres é cinza esverdeada. Londres não tem cor.
Nesta cidade, as pessoas se trombam sem nunca se tocar, a vida corre na velocidade dos atropeladores de velhinhas dos corredores das estações do metrô. Os territórios destas estações não têm dono, são não-lugares de muita gente correndo, correndo. Tudo tem que ser feito no horário, mas às pressas, como se se estivesse sempre atrasado. Há uma salada de incoerências que fascina ao mesmo tempo em que assusta, à moda das grandes metrópoles. Esta cidade recebe muito bem, basta ter muitas libras e um generoso cartão de crédito. Mas, também pode receber de braços abertos, basta sempre preservar o direito do outro de nunca se importar com você. Entretanto, em momentos que só o acaso pode nos dar, surgem figuras afetivas, preocupadas com o outro. Crianças e idosos simpáticas, policiais educados, profissionais que prestam bons serviços.
Londres é uma cidade múltipla. Há a Londres dos turistas, dos estudantes em intercâmbio, dos acadêmicos, dos imigrantes, dos próprios Londrinos, dos ingleses não-Londrinos. Cada uma é uma cidade diferente, mas que tenta conviver com as outras em um lugar de pouco espaço.
Alugar um flat aqui foi uma aventura e tanto. Trinta dias para o acaso nos trazer um casal de idosos que valeu a espera. Nada muito barato não, talvez isto nem exista por aqui. Mas, atentos às nossas necessidades e sem nos olhar como se fossemos um casal de ETs recém-chegados de outro planeta e que poderia fugir no segundo mês de aluguel. Finalmente, um flat limpo, com excelente claridade, espaçoso e muito bem localizado. Este será pago do jeito que deveria ser: a cada mês de uso. Mrs. Penelope e Mr. Charles são presentes dos céus pelo nosso tempo de busca. A sincronicidade nunca nos abandonou. Não foi desta vez, ainda bem.
Em Londres os corretores querem tudo adiantado. O proprietário é soberano, exige muito e dá pouco em troca, quase nada. Ele se apresenta como “sócio da família real”, tem concessão da terra da rainha. A negociação não existe no entender dos negócios imobiliários ingleses. Entendem desconto como depreciação do que está sendo vendido ou incapacidade do locatário em pagar o valor imposto pelo soberno proprietário. Se um grande criminoso ou terrorista chegar por aqui com muito dinheiro aluga qualquer flat, casa ou apartamento, sem precisar apresentar qualquer antecedente. Se um professor-pesqusiador em seu doutorado-sanduíche tenta alugar um flat com sua bolsa que cobre tranquilamente o valor do aluguel, tem que adiantar seis meses para garantir o imóvel. Esta é muito boa.
Estes negociadores de imóveis nunca viveram um período de inflação. As crises por aqui aconteceram há séculos. A mão-de-obra é cara, poucos querem fazer o trabalho sujo, talvez seja por isso que a sujeira se espalha pelas ruas da cidade e pelos banheiros por aí. Londres é linda, ao mesmo tempo é feia. Tudo depende de quem a olha e sob que estado de espírito o faz.
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