Desde 28/01/11, estou em Londres para meu doutorado sanduíche na University College of London (UCL). Ficarei por aqui até dezembro de 2011. Este blog tem o objetivo de narrar minha vida acadêmica assim como minhas experiências como professor-correspondente da ESPM em Londres.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
O consumo em Londres: uma rápida reflexão
Ao vir para cá, como uma etapa de meu doutorado, trouxe comigo algumas expectativas, muita curiosidade e, principalmente, um espírito de estudante mochileiro que pinga de albergue em albergue conhecendo novas culturas, diferentes pessoas. Não cheguei a me hospedar em nenhum albergue por aqui e nem tampouco precisei pegar um trem durante toda noite para economizar na hospedagem, como fiz em meus tempos de “mochilão”. Mas, meu espírito, até agora, tem sido o mesmo que me acompanhou as duas vezes que “mochilei” pela Europa durante meus vinte e poucos anos. Observações diárias da vida Londrina, pensamentos o tempo todo sobre nosso povo Brasileiro, comparações inevitáveis com nossa cultura e muita leitura.
Mas, o que mais tem marcado meus tempos por aqui é o aprendizado em relação ao mundo do consumo. Tanto teoricamente, já que este é o tema principal de meus estudos, como de forma mais empírica, observando as diversas catedrais do consumo que Londres oferece.
Os recém-chegados a Londres normalmente se deslumbram com sua diferente arquitetura, com suas infinitas opções de lazer e diversão, com seus pubs que oferecem um ambiente favorável à descontração. Londres é sedutora. Londres oferece diferentes e suculentas iscas que podem nos fisgar para um interminável consumir. A Oxford Street é um bom exemplo do potencial desta cidade em oferecer qualquer tipo de produto a qualquer preço. Lojas de todos os tipos oferecem uma infinidade de marcas reconhecidas mundialmente. A paisagem é dominada por indivíduos ostentando seus diversos pacotes de compras. Muitos destes não escapam das sedutoras garras da Primark que oferece roupas, sapatos e outros produtos a preços ofensivamente baratos. Complementando este quadro, bares, restaurantes e teatros tornam Londres uma das principais cidades do mundo em diversões noturnas.
Até conhecer Londres de perto, sempre atribuí à Nova Iorque e a outras cidades norte-americanas a posição de “centro” de compras do mundo. Londres é a quintessência do capitalismo atual. Londres borbulha consumo. Entretanto, que consumo é este que parece moda falar sobre ele?
Uma de nossas características humanas mais conhecidas é nossa tendência em julgar atitudes e comportamentos. Atualmente, é comum flagrarmos julgamentos onde, em uma suposta posição superior, indivíduos dizem que fulano de tal é consumista porque gasta muito dinheiro em tal produto. Ciclano é materialista porque só dá valor ao que tem e não que é, e por aí vai. O consumo se tornou um balizador para julgamentos contemporâneos. A mídia jornalística traz, diariamente, inúmeros exemplos: consumo como vilão da obesidade, consumo como principal causa dos problemas ambientais, consumo como o novo bicho-papão para nossas crianças. Como sempre ensinou minha mãe: julgar é feio. Principalmente, quando deixamos de olhar para nosso próprio umbigo para falar do dos outros. O consumo está entre nós há mais tempo que podemos imaginar, não há como não estar inserido em seu contexto.
Londres é exemplo de cidade secular que se estabeleceu a partir do consumo. Este se intensificou a partir do luxo durante os séculos XVII e XVIII como meio de distinção social, mas já estava por aqui bem antes. O produtivismo, linha de pensamento que tem certo domínio e traz a produção como grande impulsionador da sociedade, pode nos levar a pensar o consumo como uma conseqüência natural de certa demanda atendida pela produção de produtos e serviços. Esta lógica linear, presente no mundo da Economia, pode nos levar a entender o consumo apenas como parte do binômio produção-consumo. Esta visão traz o consumo como conseqüência de um processo histórico, quando, na verdade, este é causa. Esta visão produtivista insiste no consumo como um fenômeno pós Revolução Industrial. Se nos esquivarmos da linearidade da equação consumo = demanda atendida, conseguimos enxergar o consumo como o grande impulsionador da própria revolução industrial.
A história de Londres é capaz de nos ensinar muita coisa a este respeito. Os museus, os livros, a conversa com os locais colaboram com o entendimento do processo histórico do consumo como protagonista da história. Esta forma de ver o consumo, em um primeiro momento, pode nos causar certo estranhamento. É que viver em um contexto dominado pelas edições midiáticas e por alguns discursos carregados de preconceito nos leva a ter por reflexo o pensamento que associa o consumo aos principais problemas que enfrentamos: aquecimento global, sobrevivência do planeta, obesidade, inversão de valores, para dar alguns exemplos. O consumo não é vilão, nem tampouco herói do momento. Sem duvido, é um processo social que nos ajudaria muito se entendido em sua profundidade histórica. É o caso de não deixarmos de olhá-lo em todas suas dimensões por mero preconceito. Criticar o consumo e o governo federal tornou-se esporte predileto entre os jovens. Portando seus iPads e Macbooks, usam as redes sociais para ecoar os discursos presentes na revista Veja e nas edições diárias do jornais veiculados pela Rede Globo de Televisão. Nestes o consumo é o grande inimigo do planeta.
Coitado do consumo, apesar de sobrevivente de difíceis processos históricos e sensível indicador das práticas sociais das diferentes etapas da vida humana, tem sido colocado no banco dos réus, vítima do julgamento de uma sociedade que nunca esteve tão distante de encontrar um objetivo, um alvo, um fim para sua existência.
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