Desde 28/01/11, estou em Londres para meu doutorado sanduíche na University College of London (UCL). Ficarei por aqui até dezembro de 2011. Este blog tem o objetivo de narrar minha vida acadêmica assim como minhas experiências como professor-correspondente da ESPM em Londres.
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Viver Londres
Em minha primeira reunião com o professor Daniel Miller, logo que cheguei a Londres, entre as inúmeras coisas que ouvi foi a seguinte frase: “no período em que estiver aqui, aproveite o que Londres tem para oferecer. Aproveite Londres”. Confesso que, naquele momento, entendi esta recomendação da forma que qualquer brasileiro recém-chegado a esta grande metrópole poderia entender. Aproveite significa: conheça a cidade, divirta-se nos pubs, vá aos shows, visite os museus, desfrute dos lindos parques, viva a diversidade cultural que se nas ruas e por aí vai.
Ao longo de minha convivência com o professor Miller e, simultaneamente, com a cidade de Londres, percebi que aquela recomendação ia bem além do que eu imaginava. “Aproveite Londres” tinha um sentido mais acadêmico, um tom mais profundo. Logicamente que os parques, os museus, os pubs e as outras atrações da cidade são parte de uma importante experiência Londrina, mas só isto não basta. Esta cidade oferece bem mais. Suas universidades, escolas, centros de pesquisa e instituições governamentais são lugares a serem mais freqüentados por quem por aqui passar uma temporada. É comum ouvirmos de nossos jovens a seguinte frase “quando eu morei em Londres …”, independentemente do número de meses que este esteve por aqui. Sabemos que viver aqui é, entre os brasileiros, é objeto de desejo juvenil, pode trazer distinção no chamado terceiro mundo. Voltar ao Brasil vestindo um estilo londrino, exibindo um sotaque mais britânico, trazendo na mala várias histórias do dito primeiro mundo para contar e mostrando um portfólio invejável de fotos tiradas no Reino Unido é um sonho e tanto de consumo. Quase impossível não se sentir seduzido por este objeto de desejo.
Talvez pela idade que sempre traz mais reflexão e também pela raiz extremamente caipira que me alicerça neste mundo, pude ouvir e experimentar a sugestão do professor Miller. Apesar de voltar com dois dos quatro itens que citei acima - boas histórias e muitas fotos – consegui viver Londres em minha medida. Hoje tenho convicção de que viver Londres é mais do que morar aqui, é levar de volta a cidade dentro de você. Aprender a pegar os lindos ônibus de dois andares, andar nos corredores do tube, a falar uma ou outra gíria Londrina, poder recomendar algum Pub aos amigos e comentar sobre a instabilidade do clima local é tarefa para qualquer pessoa que por aqui passa alguns dias. Absorver uma Londres que é única para cada um de nós é tarefa mais difícil, requer sensibilidade e muito suor.
Agora entendo que o professor Daniel Miller falava sobre viver Londres, aproveitar o que esta cidade pode oferecer após seus longos anos de história. Aliás, o que é bom aqui é o que existe há muito tempo, sua tradição atualizada pela tecnologia. A cada esquina pode-se encontrar algo diferente, algo para se aprender um pouco mais. Sem dúvida, todo estudante ou profissional que, por alguma razão, vá passar um tempo por aqui deve procurar cursos, palestras e professores especialistas em algum tema, além de fazer o trivial. Há uma infinidade de opções de cursos e eventos dos mais diferentes assuntos com diferentes graus de profundidade. Palestras e eventos dos mais variados tipos acontecem no dia-a-dia da cidade. A ideia é experimentar intelectualmente o que a cidade tem a oferecer e que não está nos guias de turismo e nem nos blogs dos visitantes de Londres. Aqui se concentram grandes pensadores contemporâneos. É preciso achá-los. Garanto que, diferentemente do que costumamos vivenciar em nosso país, a maioria destes pensadores recebe-nos com a tranqüila objetividade de um professor e não com a distância de um astro ou estrela da música pop. Uma das mais marcantes experiências que aqui vivo, é poder ter acesso aos freqüentadores de minha bibliografia sem ser tratado como fã de uma celebridade em busca de um autógrafo. Os professores são acessíveis, recebem-nos como parte de seu trabalho. Entretanto, são, em sua maioria, ingleses, guardam sempre certa distância do envolvimento mais afetivo. Sem dúvida, há um ou outro que foge à regra e vive seus momentos de estrelismo, mas são poucos. Autores que são citados por reconhecidos autores brasileiros são mais acessíveis que quem os cita. Certa incoerência que deve ser aproveitada ao máximo. Viver Londres é se aprofundar no que a cidade pode nos dar para nos fazer melhor, é sair daqui com mais do que o idioma bem falado, o conhecimento de meia dúzia de lugares para indicar aos amigos e que o clima aqui varia repentinamente, o que nem sempre é verdade. Viver Londres é aproveitar esta cidade no sentido mais profundo deixando-a entrar de forma personalizada em suas lembranças mais definitivas, sem, é claro, deixar com esta cidade te engula como faz com muitos que aqui chegam e se maravilham com seu lado mais perverso: a imensidão de catedrais do consumo que oferece. Este é o assunto do post anterior.
Seja um estudante em intercâmbio, um profissional expatriado ou um professor em pesquisa, Londres pode transformar profundamente sua vida, basta ir atrás, não se pode ter preguiça nesta cidade e nem tampouco se ver seduzido apenas pelas suas inúmeras opções de diversão. Cuidado! Londres pode tirar o melhor de nós, mas também pode trazer à tona o que temos de pior. É preciso atenção para aproveitar o que este paraíso cultural tem a oferecer.
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