terça-feira, 7 de junho de 2011

Talvez exista outra Londres




Tenho me estranhando um pouco com algumas coisas que vejo por aqui em Londres.
Em boa parte de minha vida ouvi muitos dizerem que os ingleses eram educados e pontuais. Também ouvi muitos tomarem Londres como com um dos exemplos para se defender determinadas posições políticas como é o caso do prefeito Kassab com seu "cidade limpa" e alguns que, evangelicamente, pregam o fim da publicidade infantil como a resolução dos problemas relacionados à infância em nosso país.
Em primeiro lugar, basta usarmos uma única vez o metrô (tube - nome mais do que adequado) aqui em Londres em horário de pico para percebermos que qualquer generalização pode nos levar ao erro. Ser educado, sem dúvida, está longe de ser o que se pode ver e experimentar nos corredores e nos vagões dos tubes. Um indivíduo pouco atento é facilmente atropelado por homens e mulheres que usam os extensos corredores das estações como pista de corrida e, às vezes, podemos nos lembrar do tromba-tromba dos parques de diversões. Aqueles conhecidos lugares preferenciais para grávidas e idosos não funcionam muito bem por aqui, a lei parece ser a do mais rápido e quando este está sentado em um destes lugares prefenciais basta abaixar a cabeça e preservar-se no direito de desprezar a existência dos outros.
Uma cena outro dia me chamou a atenção. Enquanto a maioria esperava para entrar no vagão do metrô em uma estação, uma jovem super apressada e ansiosa ultrapassou a todos às cotoveladas. Esbarrou e empurrou várias pessoas até conseguir sentar-se antes dos que estavam à espera há mais tempo. Ao acomodar-se tirou seu estojo de maquiagem da bolsa e começou a se pintar como se nada tivesse acontecido. Vai ver qe se tratava de uma maquiagem de emergência. Uma das vítimas do atropelamento da jovem, uma senhora com mais ou menos o dobro da idade dela, chegou a reclamar, mas esta ignorou totalmente focando-se em seu espelhinho. A questão é que por aqui o individualismo, típico desta modernidade que se dilui rapidamente, é flagrado de forma muito evidente. Uma amiga que morou por aqui algum tempo sempre disse que morria de medo de ter algum ataque no meio da rua e morrer por falta de socorro pelo fato das outras pessoas preservarem o direito dela de morrer subitamente sozinha no meio da rua. Confesso que a inexistência do outro me incomoda. É como se vivessemos isoladamente em meio a muita gente. Sem dúvida, há ganhos neste tipo de postura. Ninguém se preocupa com o que você veste, com o que você faz etc. Cada um na sua, não é este o lema da pós-modernidade? Entretanto, sabemos que não é possível chegar a algum lugar sozinho. Não é por acaso que aqui se encontra a clínica de psicanálise do mundo: a Tavistock. Nunca discutimos tanto conceitos como comunidades, amizade, tribos, redes e nunca vivemos tão sozinhos em meio à multidão. Estar agrupado não é sinônimo de estar junto. Grupo é diferente de time, mais de mil amigos no Facebook não nos garante diante da ameaça da solidão.
"Polite"? Onde, quando? Ah sim, depois de levar um empurrão ou um chute na canela, você ouve um belo e educado "sorry".
Sem dúvida há muitos individuos educados e prestativos pelas ruas de Londres. Nosso landlord faz juz ao "lord". Sr. Charles parece ter saído daqueles filmes de época que assistimos no cinema. Pensando um pouco, notamos que indivíduos educados e mal-educados temos nós também, aos montes. Quantos sr. Charles não nos deparamos ao longo de nossas vidas? Novamente, o erro da generalização poderia nos levar a uma idealização que nos tira de perto a realidade.
Nunca a expressão "para inglês ver" fez tanto sentido. A pontualidade britânica tem uma variação de mais ou menos 15 minutos. Eles mesmos reconhecem que a fama da pontualidade foi uma criação de algum cidadão de outro lugar que estava um tanto empolgado com a vida britânica.
Também é normal por aqui mudarem o ponto final de um ônibus sem qualquer explicação e deixarem os passageiros no meio do trajeto sem saberem muito o que fazer. Muitos, acostumados com este descaso, vão até o primeiro pub que encontram tomar uma outra pint antes de resolver o que fazer para chegar em casa. Aliás, o ambiente dos pubs é um dos bons exemplos desta cidade. A maioria deles é democrática, lugar para todos. Digo a maioria porque em um ou em outro sempre podemos ter problemas com os atendentes ou frequentadores. Nada diferente do que já conhecemos.
Por outro lado, é estranho ter por parte de alguns políticos da cidade de São Paulo a justificativa do tal "Cidade Limpa" pautada em falas como "na Inglaterra é assim" e, portanto, aqui também deveria ser. Como se, o que fosse bom para os ingleses seria para os brasileiros. Não quero criticar a ideia do "cidade limpa" que reelegeu o nosso popularesco prefeito e tirou das ruas de São Paulo a poluição visual dos outdoors e painéis que realmente eram exageradamente explorados. Entretanto, se observarmos atentamente, esta ação populista lotou nossas estações de metrô com anúncios e lojas. As escadas e corredores de algumas estações lembra a 25 de março. Talvez para este prefeito nosso metrô não seja parte da cidade e, portanto, não precise estar limpo. Ou talvez os interesses sejam outros.
E o marketing infantil? Os fundamentalistas que estão com voz forte em nosso país adoram dizer que aqui na Inglaterra é proibido isto e aquilo em relação ao marketing infantil. Dizem estes: "lá o marketing infantil é proibido e não há publicidade voltada às crianças", "defendemos a proibição como é praticada em países de primeiro mundo como a Inglaterra". Que proibição? Em qualquer loja por aí você consegue comprar uma espingardinha de brinquedo e as vitrinis das lojas são lotadas de publicidade. As crianças bricam, como em outros tempos, com armas de brinquedos, espingardas de plástico etc. Nem por isso a criminalidade aqui é alta e as crianças deixam de ter infância. Muito pelo contrário. Aliás, Londres é uma cidade super amiga das crianças. São centenas, milhares nas ruas participando do dia-a-dia da cidade e dando uma leveza à dura vida Londrina. É comum algumas sorrirem para você nos vagões de metrô.
O que é proibido por aqui é o acesso fácil às armas de verdade, não as de mentira. Parece irônico um país onde um plebiscito politicamente construído aprove a posse de arma de fogo ao mesmo tempo em que proíbe a venda de armas de brinquedos para as crianças. Não sou a favor das armas de brinquedos, sou sim é radicalmente contra termos uma política que mune os crimonosos com armas para serem usadas contra nós mesmos.
E aqui eles permitem sim propaganda infantil na TV. O que realmente acontece é que há uma preocupação diferente por parte dos envolvidos com o marketing infantil. Como em outros países da Europa como da América do Norte, empresas, agências de publicidade, governo e representações legitimadas da sociedade decidem o que é ou não adequado para ser veiculado. Desta forma o desequilíbrio de forças é melhor equaciondao. Atenua-se o conflito entre empresas e interesses públicos. Quando não há o diálogo entre estas duas partes, como em nosso país, o jogo fica desequilibrado, vira caso de polícia.
A preocupação com as crianças em relação à mídia tanto aqui na Inglaterra como em outros países da Europa como já observei em outro post está em outro lugar. Há uma busca pelo melhor conteúdo dos programas de TV. Basta darmos uma olhada na qualidade das produções infantis da BBC. Com o conflito de interesses em torno da publicidade equacionado de forma madura, pode-se focar nos pontos mais relevantes e contar com a TV como aliada e não como inimiga, herança discursiva típica dos anos 70em nosso país, quando futebol e novela eram considerados instrumentos de alienação. Além disso, as crianças não são expostas às novelas das oito com suas cenas eróticas e diálogos complexos demais para serem compreendidos pelos pequenos. Ao invés de gastar energia e recursos tentando proibir o anúncio de um tênis do Homem Aranha na TV, a busca em aprofundar o conteúdo infantil trazendo mensagens direcionadas à educação, à tolerância, à preservação do meio-ambiente parece bem mais adequado, não?
O interessante é que as coisas boas daqui que tornam esta cidade uma das melhores do mundo para se viver não são lembradas nem pelos nossos políticos nem pelos fundamentalistas da anti-publicidade.
Os parques são lugares inesquecíveis com opções de lazer arrasadoras. Uma cidade grande precisa de pulmões, precisa de áreas verdes para sua população relaxar. Uma cidade com foco no lazer tende a ser uma cidade mais sadia, mais tranquila. Nunca ouvi um político de São Paulo mencionar os parques que "lá" em Londres existem e em São Paulo não. Muito pelo contrário, estimulam a especulação imobiliária ao máximo sufocando cada vez mais as ruas de nossa cidade, inflando o valor dos imóveis para se lucrar mais e mais, deixando seus habitantes com quase nenhuma opção de lazer. A não ser que tenha uma alta renda e pague muito bem por isso. Precisaríamos de, no mínimo, uns 30 Ibirapueras em São Paulo para podermos aliviar nossa tensão diária. São Paulo é uma cidade tensa, nervosa, agressiva com seus habitantes. Também não ouvimos nos discursos dos que dizem proteger as crianças qualquer menção às áreas de lazer, aos parques como opção à TV e ao computador que afirmam prejudicá-las. Só ouvimos dizerem "desligue a TV", "parem de jogar videogame", "saiam das redes sociais da internet". As crianças menos privilegiadas financeiramente de São Paulo desligam a TV e o computador e fazem o que e onde? Talvez este discurso "desligue TV" refira-se apenas às crianças que vivem em imensos condomínios fechados com amplas áreas de lazer. Estes têm o que fazer, para onde ir. Os menos privilegiados não têm opção. É preciso democratizar o discurso, incluir todos e não apenas alguns.
Outro ponto que nossos políticos e apolcalípticos da publicidade se esquecem de comparar. Os museus londrinos são exemplos de organização, qualidade de acervo e divulgaçao da cultura. E são de graça. Crianças e adultos são vistos aos montes nos corredores consumindo o que as obras de arte ali expostas têm para oferecer.
E o rio Tâmisa? Sem cheiro, navegável e com paisagens inesquecíveis às suas margens. Este rio é outra opção de lazer imperdível para quem por aqui passa ou aqui habita. Nada como passear às suas margens no final de tarde. Também estou à espera de um político paulistano que compare nossos tão judiados Tietê e Pinheiros com o Tâmisa.
Parece ser mais adequado a eles travar uma disputa de poder entre os partidos para provar quem é mais ou menos corrupto.
Por estas e outras que tenho pensado senão desembarquei em uma Londres diferente das dos políticos e fundamentalistas da anti-publicidade. Que seja dito que, normalmente, não gostamos de dizer: quando convém, compara-se nosso país colocando-o na condição de "atrasado", quando não, finge-se que está tudo bem e a culpa é do outro partido, do governo anterior, das empresas e do coitado do brasileiro que trabalha, trabalha e trabalha e leva a fama de dar um jeitinho em tudo. Damos é um jeitão para tornar nosso país um excelente lugar para viver, apesar de seus políticos e de sua politicagem.

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