sexta-feira, 6 de maio de 2011

Serviços. A última fronteira.

Confesso que uma das coisas mais dolorosas para mim é perceber que somos criados em nosso país para admirar o que vem do além-mar, muitas vezes a despeito do que vem de nossa terra. Talvez fruto de nosso histórico como colônia, talvez pela nossa baixa auto-estima como país, talvez pela pouca idade que temos. Mas é bem triste ouvir, principalmente de alguns de nossos jovens, que sucesso significa morar fora do Brasil. Com as redes sociais como Twitter e Facebook, as manifestações deste comportamento foram potencializadas. Antes, só ouvíamos um ou outro comentário de turistas que em visita à Europa, por exemplo, voltavam deslumbrados com o funcionamento da sociedade, com a qualidade dos produtos e com a educação dos habitantes do velho continente. Hoje em dia, podemos ler posts de jovens na internet declarando detestar o Brasil e sonhar em morar nos chamados países de primeiro mundo. Isto já deveria nos preocupar per se. Entretanto, a situação me parece mais grave já que a maioria dos argumentos utilizados para justificar tal desprezo pela própria pátria e amor pela do outro não se sustentam quando observados mais de perto.
Como exemplo, consideremos os serviços. Nunca se falou tanto em serviços como nos últimos anos. Em uma sociedade que se tornou de consumo, após longos anos com foco específico na produção, os serviços são essenciais para seu bom funcionamento. Há diversos e consistentes estudos acadêmicos sobre o tema, livros de diferentes autores abordando este mundo e, inclusive, Ps de marketing adaptados aos serviços. Mesmo diante deste esforço, os serviços prestados por empresas e profissionais liberais, frequentemente, ainda são fonte de bastante irritação. Percebemos que, hoje em dia, para a prestação de um bom serviço, o fator humano é essencial. Não o “humano” do departamento de recursos humanos das empresas, mas aquele ligado ao indivíduo, às suas características afetivas, às suas capacidades emocionais. Para sermos bem atendidos, ainda dependemos muitas vezes, infelizmente, do fator sorte. O acaso em encontrar pela frente um ser humano disposto a realmente nos atender bem é o parece determinar, atualmente, uma boa prestação de serviços. Logicamente que um bom treinamento focado no perfil do público que será atendido é fundamental, mas isto é condição necessária e não suficiente para um bom serviço. É fácil constatarmos o que estou falando. É comum em uma mesma empresa sermos tratados de forma completamente diferente, dependendo de quem nos atende. Conseguimos mais informações, cancelar nosso cartão de crédito sem muita dor de cabeça ou pedir uma pizza pelo telefone sem nos desgastar muito, caso nos deparemos com alguém a fim de nos atender bem.

Os bons anos em que trabalhei com a prestação de serviços em empresas como Mattel e Vivo me ensinaram muita coisa. Experimentei na prática a dificuldade que é prestar serviços. Aprendi que devemos separar tratamento de atendimento. Estes dois, normalmente, andam juntos, e são facilmente confundidos. No mundo dos serviços, ser bem tratado não é o mesmo que ser bem atendido. Podemos ser bem tratados e muito mal atendidos. E vice-versa. Por exemplo, ao ligarmos para um banco podemos ser tratados com educação e respeito, mas ficarmos longos minutos conversando com o atendente que não resolve nosso problema porque o sistema está fora do ar, porque não temos uma das dez senhas exigidas neste tipo de serviço etc. Fomos muito bem tratados, mas não fomos adequadamente atendidos. Ou podemos ser mal tratados e bem atendidos. Em um restaurante, por exemplo, é possível que um garçom ríspido consiga nos atender muito bem. Basta que, em meio às suas grosserias, sugira bons pratos, entenda todo nosso pedido e o traga com rapidez. Neste caso o processo de atendimento foi impecável, mas o tratamento deixou a desejar. Portanto, o equilíbrio entre tratamento e atendimento é fundamental para uma boa prestação de serviços.
Voltemos à nossa questão do Brasil e dos países ditos de primeiro mundo por muitos de nossos jovens. Quem conhece bem a cidade de São Paulo, por exemplo, sabe que os serviços, principalmente em restaurantes e bares, são referências mundiais, tanto em tratamento, quanto em atendimento, seja nos locais mais caros ou nos mais simples. Logicamente existem exceções, que não fazem mais do que confirmarem a regra. Os outros serviços como os relacionados ao cartão de crédito, às operadoras de celular e às TVs a cabo parecem deixar a desejar como em todos os cantos do país. Nestes casos, voltamos à lógica do acaso. Se tivermos a sorte de nos depararmos com um atendente de bem com a vida, poderemos ser bem tratados e, caso as regras da empresa não atrapalhem, bem atendidos. Exatamente o mesmo acontece aqui em Londres. Alguns atendentes são pacientes, simpáticos, educados, outros não. Ser bem tratado ou não, mesmo aqui no dito primeiro mundo, também parece ser uma questão de sorte. E o atendimento? Burocrático, complicado e muito demorado. A compensação de um cheque de um banco inglês depositado em uma conta corrente de Londres demora cinco dias úteis para acontecer! E esta é uma transação normal, corriqueira. A instalação de um link de internet, depois de feita a solicitação, demora em média 20 dias. E os restaurantes e bares? Estão na mesma lógica da sorte. Muitas vezes somos bem tratados e outras tantas não, dependendo de quem o destino nos colocou à frente. Atendimento? Este é difícil em Londres, a velocidade é outra. Quem está acostumado à velocidade de São Paulo, sofre em Londres, com a morosidade dos serviços.
Agora, São Paulo está no Brasil. Aquele mesmo país do dito terceiro mundo que muitos querem abandonar porque é pouco digno de ser habitado. Sei que este comparativo é simples porque estamos falando apenas de uma parte da vida atual, os serviços. Mas, se expandirmos esta ideia para outros setores vamos descobrir que o Brasil, assim como a Inglaterra, tem bons e maus produtos, serviços, lugares, governantes, situações, experiências, pessoas etc. etc. A percepção que temos do mundo nos é dada de forma invertida, como dizia o filósofo Spinoza. Primeiro definimos nossos afetos, depois os justificamos. Antes se detesta o Brasil e se quer deixá-lo, depois é que buscamos uma justificativa para tal. Estranho. Talvez o negócio seja tentarmos refletir um pouco mais sobre nossa responsabilidade diante do nosso país. Criticar e esquivar-se do desafio de construir um país melhor não me parece solução plausível, ainda que seja tentadoramente mais fácil. Mas, vale lembrar que existem duas coisas relacionadas às nossas origens em nossas vidas que jamais conseguiremos modificar, mesmo que queiramos muito: nossos pais e nosso país.

Novo livro de Daniel Miller


Ontem à noite (05/05) teve lugar a festa de lançamento do novo livro do professor Daniel Miller: Tales from Facebook. Trata-se de um livro com uma proposta abrangente: atingir diferentes perfis de leitores. O livro, segundo o próprio autor, é dividido duas partes. A primeira, os "tales" do Facebook conta diferentes histórias em torno desta rede social. A segunda parte propõe uma discussão mais aprofundada sobre a páginas desta nova febre mundial que é o Facebook. Vale a pena a leitura das duas partes que foram, cuidadosamente, escritas para serem compreendidas por diferentes públicos.
A festa de lançamento aconteceu no Departamento de Antropologia da UCL - University College London com direito à dança dos convidados ao som de The Clash e Beatles. Noite inesquecível.
Ainda não há previsão de tradução para o português, mas esperemos o interesse de alguma editora brasileira para esta produção.