quinta-feira, 30 de junho de 2011

Egressos ESPM na Inglaterra II - Bate-papo em Windsor com Marisa Tayti


Em uma tarde tipicamente inglesa com vento frio e mudanças repentinas de tempo, visitei a simpática e bucólica Windsor. Para uma cidade que nasceu para atender às necessidades do conhecido castelo, Windsor é mais do que parada obrigatória não só para turistas, mas também para os que aqui ficam apenas por um tempo como eu. O Tamisa passa calmamente na cidade e compõe a paisagem juntamente com o imenso castelo no topo da colina. Além do rio e do castelo, Windsor também é conhecida por se localizar próxima ao importante Eton College.
Neste cenário, entrevistei Marisa Tayti, designer de embalagem e ex-aluna do curso de Comunicação Social da ESPM que, atualmente, trabalha em uma empresa inglesa de Design de Embalagens e Branding chamada 1HQ localizada na cidade de Windsor.

Confira o perfil e a trajetória de Marisa Tayti, 30 anos, egressa da turma de 2002 do curso de Comunicação Social da ESPM – São Paulo.

João: Conte, brevemente, sua trajetória pessoal e escolar até ingressar na ESPM (cidade de origem, colégio em que estudou, opções de curso e escolhas para o vestibular, o processo de seu vestibular etc.)

Marisa: Nasci em São Paulo capital, em 1980. Sou a terceira geração de imigrantes japoneses, ou seja, meus avós imigraram pro Brasil quando ainda crianças, e assim como eu, meus pais nasceram no Brasil.
Entrei na escola aos 4 anos de idade, no Colégio Anglo Latino, no bairro da Aclimação. Nunca fui uma aluna exemplar, sempre tive notas na média, algumas abaixo e poucas acima. Meus pais nunca me falaram muito de carreiras profissionais, o que eu sabia era o que eu via na minha família.
Minha mãe é formada em Arquitetura pela USP, mas sempre trabalhou como estilista de moda.
Meu pai é formado em Engenharia Civil pela USP, mas sempre trabalhou em bancos na área de sistemas.
Eu acho que as minhas escolhas se basearam nas pessoas ao meu redor. Primeiro a minha mãe, ela sempre estimulou a minha criatividade, mas por alguma razão nunca pensei em trabalhar com moda ou arquitetura. Talvez fosse o medo de nunca ser tão boa como ela. Aí, tem a minha prima de segundo grau, 8 anos mais velha que eu, mas que eu achava "descolada". Ela fez publicidade na USP.
E em terceiro, se eu não estiver me esquecendo de ninguém, vem a minha irmã mais velha formada em Medicina.
Na minha família sempre teve uma 'certa' obrigação para se fazer faculdade, e uma leve pressão implícita para ser na USP.
Bom, para resumir, nos meus últimos anos de colegial, eu resolvi prestar medicina. Fiz cursinho semi-intensivo junto com o colégio e pensava que queria ser ou ortopedista ou cirurgiã plástica. E que na pior das hipóteses, não tinha como dar errado, afinal nunca tinha visto médico pobre. Prestei só FUVEST e não passei.
Daí, entrei pro cursinho de novo e, dessa vez, meu pai falou: "Ainda bem que você não passou, né?". Querendo dizer que eu estava 'viajando' em prestar Medicina, e eu concordo, foi um alívio! Dessa vez estudei pra Publicidade e queria ser diretora de arte. Era 1998 e prestei FUVEST e ESPM. Reprovei na FUVEST e passei na ESPM, em 15º!

João: Agora, conte-nos como foi seu período de curso na ESPM (lembranças que carrega da graduação, primeiros dias de aula, os semestres, a ida para a noite, o início de estágio, atividades na escola, estágios realizados, opção de carreira – escolha de minor, PGE etc.)

Marisa: Eu lembro que o que eu mais gostei da ESPM é que não era assustadora, parecia um colégio, um ambiente familiar. A turma era bem normal também, a grande maioria de São Paulo capital mesmo, classe média, uma turma bem homogênea. O que eu acho interessante é que eu sempre fui minoria oriental tanto no colégio quanto na faculdade, talvez por não ter entrado nas 'melhores' instituições como Etapa/Bandeirantes ou USP. Mas, acho melhor assim, não gosto do rótulo de “nerd”, mesmo porque nunca se aplicou a mim.
Eu me lembro de ter achado as aulas muito interessantes, Marketing, Psicologia, Lógica, História da Arte, Ética ... eram assuntos em aula que, pela primeira vez na vida, não me entediavam! (Como eu odiei escola e cursinho! só depois que eu pude perceber)
Eu gostei mais das aulas teóricas do que das práticas tais como Informática e Fotografia. No primeiro ano de faculdade, eu dava aula de Inglês numa escola de bairro e depois consegui um estágio numa empresa de informática, no departamento de Marketing. Eu me lembro de não ter sido muito fácil a fase das entrevistas, dinâmicas de grupo, mandar currículo etc. Nunca consegui passar em nenhuma dinâmica de grupo, ainda é um mistério para mim. Lembro de ter tentado todas as empresas grandes como Unilever, Elma Chips, Johnson & Johnson ...
Bom, depois dessa empresa de informática fui parar num portal de internet. Eu acho que foi através da Catho. Era bacana, lá na Vila Olímpia, mas envolvia muitas planilhas de Excel e eu sentia que não era bem o que eu gostaria de fazer. Depois de um tempo apareceu a oportunidade de um estágio em uma agência de marketing esportivo chamada Promosports. Também não deu certo. Durei alguns meses apenas e, em seguida, consegui um estágio com a art buyer da Newcommbates (atual Y&R). Quando esse estágio terminou, fui para a B\Ferraz, uma agência de eventos, meu primeiro estágio na Criação! Estava ficando quente. Naquela época a gente atirava para todos os lados, mandava currículo para tudo que é agência de publicidade, até que fui chamada na Neogama. Chegando lá, descobri que era para ser estagiária de atendimento da Issa DA, a agência de design da esposa do Alexandre Gama. Nem preciso falar que não deu certo porque se não nasci pra trabalhar em Atendimento, então era como ter um pesadelo acordada. Após 3 meses de muito perrengue, me mandaram embora, mas a Cláudia Issa me deu uma lista de nomes que era para eu entrar em contato e falar que eu era indicação dela.
A primeira agência da lista a 100% Design, me ofereceu um estágio logo de cara. E eu lembro claramente de ter a sensação de finalmente estar me encontrando... Foi assim que entrei pro mundo do design de embalagem que estou até hoje. A história não acaba aí, mas esse foi o meu último estágio e, logo depois, fui contratada como designer junior pela Design Absoluto.
Eu acho que a prática foi o que mais me ensinou sobre minhas vocações, mas a faculdade é um processo importante de amadurecimento, de convívio (cervejadas!), aprendizado de trabalho em equipe (lê-se PGE), dedicação e comprometimento. No meu caso específico, analisando a minha carreira hoje em dia, se eu pudesse escolher de novo, teria feito um curso mais ligado à arte, talvez arquitetura ou desenho industrial.

João: Conte brevemente seu percurso profissional após a graduação.

Marisa: Depois de formada, fiquei ainda 2 anos estagiando, até conseguir o emprego na Design Absoluto como designer de embalagem junior. Entrei na carreira totalmente por acaso, mas parecia que eu já tinha nascido fazendo aquilo, foi gostoso me encontrar profissionalmente. Depois de quase 2 anos, surgiu a oportunidade de fazer um estágio numa agência na Inglaterra, chamada Vibrandt (hoje se chama 1HQ), foi assim que pedi demissão e vim de mala e cuia em 2006. Comecei estagiando de graça, fiquei 6 meses só de café-com-leite, tentando melhorar meu inglês e aproveitando pra curtir a vida. Finalmente me ofereceram um emprego e fui promovida mais 2 vezes depois disso e hoje sou senior designer, especializada em embalagem.
Mas viajar foi com certeza o que abriu a minha cabeça. Fiz cursos em Nova York e Londres, e eu achei uma ótima maneira de conhecer pessoas, fazer contatos.

João: Agora, conte-nos sobre o processo de sua vinda para Londres e sobre sua condição de trabalho atual (empresa em trabalha, área de atuação, principais atividades que executa, a quem responde hierarquicamente) e perspectivas futuras nesta empresa e no mercado de trabalho.

Marisa: A 1HQ é especializada em branding e design de embalagem e produto. A grande maioria dos nossos clientes é de FMCG (fast moving consumer goods), sendo eles Unilever, Premier Foods, Nestlé.
No geral trabalhamos em duplas ou trios e, sendo Senior, em projetos pequenos eu gerencio middle-weights e juniors, além de ilustradores (visualisers), e apresento projetos pra clientes. Em todos os projetos eu sou supervisionada pelos design directors e/ou diretora de criação. No momento eu gostaria de investir na minha carreira de senior, pra daqui a uns 3/4 anos chegar à posição de design director. Nessa ou em outra empresa.

João: Falando de futuro, como planeja dar continuidade ao seu aperfeiçoamento profissional? Pretende continuar os estudos? Em que área e universidade?

Marisa: Eu gostaria de me aperfeiçoar como designer gráfica. Já pensei em estudar mais artes visuais gráficas tais como tipografia, ilustração e fotografia. Mas, também entender um pouco mais da natureza humana, por isso pensei em estudar semiótica.

João : Como você avaliaria a participação da ESPM em sua formação acadêmica e profissional?

Marisa: Poderia ter sido melhor. Acho que entre fazer ESPM e não fazer faculdade, eu fico com a primeira opção porque faculdade, no geral, é um ótimo jeito de fazer networking social e profissional, que no fim das contas é fundamental hoje em dia na área de comunicação. Mas, eu sinto falta de não ter estudado arte.

João: Em que você acredita que a ESPM poderia ter colaborado mais em sua formação? O que faltou em seu curso, em sua opinião?

Marisa: Mais palestras de profissionais da área.

João: Quais seriam suas dicas para os alunos de Comunicação que pretendem trabalhar em criação de embalagens?

Marisa: Manter-se muito informado, ler bastante, colecionar coisas, ser muito curioso, sabe? Viajar bastante, não ter medo de mudar de carreira, tomar riscos, tentar se auto-conhecer.

João: Algumas frases interessantes de Marisa, ditas informalmente depois da entrevista.

Marisa: Sobre sua decisão de trabalhar em criação. - Quando entrei na faculdade, não sabia direito o que queria fazer. Só sabia que eu gostava de desenhar.

João: Sobre sua entrada na empresa 1HQ em Windsor. - Acho que eu negociei mal quando comecei. - Eu fiquei tão honrada por me oferecerem o emprego que aceitei na hora. Nem pesquisei como estava o mercado.

Marisa:
Sobre sua carreira na Inglaterra.
- É estranho pensar o que te trouxe até aqui. Você não planeja. - Eu não planejei ficar por cinco anos. Foi indo. - O caminho até aqui foi tortuoso. - É preciso pensar o que você quer. Visualizar.

Sobre a vida na Inglaterra.
- Tudo fica mais amplificado quando você está aqui. Diminui e intensifica o tempo todo. - Às vezes, eu me sinto em uma bolha aqui. - Aqui você esquece seu padrão de vida. - Você baixa a bola.

Sobre o mercado de trabalho na Inglaterra.
- Aqui o mercado oscila muito. - As empresas têm uma vasta carteira de free-lancers. - Muita gente trabalha seis meses, viaja seis meses.

sábado, 11 de junho de 2011

Fetiche pelo método - uma reflexão


Os métodos de pesquisa tornaram-se, para alguns pesquisadores, uma espécie de “fetiche”. Não é incomum bancas de mestrado e doutorado, ao darem seus pareceres, pesarem em demasia a mão na parte metodológica de dissertações e teses. Com isto, inevitavelmente dão menor importância aos objetos de estudo, às análises e às reflexões apresentadas. Há, inclusive, manuais de metodologias e certas “bíblias” metodológicas que têm suas leituras e citações cobradas pelos que desequilibram seu julgamento nestas bancas. Quando isto acontece, a escolha do método toma lugar principal nas discussões que, na maioria dos casos, tornam-se políticas. Os discursos que defendem este ou aquele método trazem um conteúdo não só técnico, mas também de filiações. O que é dito é que se questiona a adequação do método ao objeto, mas o que se defende mesmo nestas discussões metodológicas é a preservação de posições de poder. Bourdieu já denunciava este tipo de comportamento em seus trabalhos. O fetiche pelo método nas discussões busca a preservação de um lugar dominante em um determinado campo e não a construção passa a passo de um raciocínio pautado na adequação do método aos objetivos e objetos de estudo.
Assim, trabalhos que trazem questões e enfoques um tanto inovadores tendem a ser taxados de menos científicos se não se encaixarem nos métodos politicamente consagrados pelos dominantes do campo em questão. Alguns são refeitos e adaptados ao modelo vigente e aceito por quem domina. Chega-se até a distribuir regras por escrito que incluem quais métodos de pesquisas são aceitos como legítimos e quais não. Caso um trabalho não aplique exatamente o método escolhido no formato do manual, pode ser taxado de não-científico. Critérios de cientificidade criados a partir de conveniências políticas e não de pesquisa. Ao mesmo tempo, há uma preocupante incoerência quando se cobra de estudantes e pesquisadores estratégias e enfoques inovadores. Não é difícil encontrarmos nas diretrizes de revistas acadêmicas, por exemplo, exigências por trabalhos que trazem um enfoque inovador e diferenciado em relação ao que já foi pesquisado sobre um determinado objeto. Como é possível termos algo novo e consagrado a partir de diretrizes metodológicas pré-estabelecidas? Este é um nó que um dia precisamos desatar. Se buscamos novidades, precisamos enfrentar o novo sem medo, sem receio da perda dos lugares dominantes. O novo sempre irá gerar uma tensão em quem está no poder. O trade off é necessário. O lugar de dominante precisa ser ameaçado pela inovação, para não termos uma produção do conhecimento que roda em torno de si mesma. Produzimos pesquisas inovadoras a partir de métodos já consagrados que engessam estas pesquisas trazendo-as ao patamar do que já é conhecido. Ou seja, não inovador. Não defendo a libertinagem metodológica. Mas, é preciso que os dominantes dos campos do conhecimento se movimentem no sentido de permitir que sopros de juventude voltem a perpassar pelo mundo da pesquisa acadêmica e permita que as inovações realmente façam seu papel: inovar. Séculos e séculos de discussão se passaram e a ideia de ciência parece ainda rodar em falso muito pelo peso político que se dá na escolha dos métodos. Temas inovadores pesquisados através de métodos conhecidos é um casamento arranjado, um matrimônio por conveniência. Entre quatro paredes as diferenças começam a aparecer e uma relação sem intimidade afetiva tende a não ter futuro. É comum nestes enlaces adaptações de percursos anteriores aos novos locus e corpus que se apresentam no contemporâneo. É o caso da internet.
Ao pesquisarmos objetos de estudo pertencentes à internet, os métodos mais tradicionais dificilmente nos ajudariam a analisar e refletir com a profundidade que estes demandam. O início dos estudos da internet contou com a busca de aplicações de métodos tradicionais de pesquisa ao mundo online e muitos ainda insistem neste caminho. Categorizações, estudos quantitativos e qualitativos são, insistentemente, aplicados ao mundo online sem qualquer reformulação. Imaginou-se que o mundo online seria uma verdadeira metáfora da vida offline. O tempo se encarregou de mostrar que o ciberespaço não é nem uma simulação digital da vida offline nem uma segunda vida, como chegaram a pensar os inventores do Second Life. Este jogo, que chegou a contar com investimentos milionários por parte de empresas, não correspondeu às expectativas por, simplesmente, oferecer ao internauta uma tentativa de simular uma vida offline. Os defensores do Second Life diziam que lá você poderia experimentar o que não poderia em sua vida normal, lá você seria o que você não poderia ser fora do ciberespaço. Entretanto, usuários do mundo todo experimentaram e não gostaram da qualidade desta experiência. A vida offline já basta para os internautas. Estes não procuram uma simulação de uma vida que já vivem no dia-a-dia. Trabalhar para ganhar dinheiro para poder comprar bens já é algo bastante duro na vida de todos nós e basta. Para que reproduzir conscientemente o mesmo funcionamento para dentro de um jogo. Há uma busca por diferentes experiências, por algo novo em relação à dura vida chamada de “real” por alguns. Algo mais novo, na linha do que as redes sociais como Orkut e Facebook oferecem.
Quanto mais nos aprofundamos no mundo das redes digitais, mais percebemos que as fronteiras entre o online e o offline estão sendo dissolvidas. A ciborguização do nosso dia-a-dia expressa a mistura entre a tecnologia e a vida cotidiana. Os devices tecnológicos estão, cada vez mais, deixando de ser apenas acessórios para tornarem-se parte integrante de nosso cotidiano. Alguns estudos que buscam entender a cibercultura tornam-se limitados quando se restringem às fronteiras da internet. Superficialidade e visões apaixonadas são ameaças para uma pesquisa que se restringe a estudar um objeto apenas em sua manifestação online. Redes sociais, por exemplo, são manifestações online e, sem dúvida, devem ser pesquisadas a partir de suas páginas na internet. Entretanto, há o risco de uma generalização e restrição nas reflexões quando desconsideramos determinados aspectos do perfil dos usuários de uma rede social. Entender em uma pesquisa os usuários de um site de relacionamentos como o Facebook, por exemplo, como um só grupo que pode ser dividido em uma ou duas categorias a partir, exclusivamente, de seu comportamento online é a porta de entrada para a superficialidade e para o imediatismo nas reflexões. Se pensarmos rapidamente sobre o Facebook, podemos concluir que não existe apenas um Facebook comum para todos os usuários. O significado deste varia de indivíduo para indivíduo, de lugar para lugar. As apropriações deste site garantem uma importante diferença simbólica, no mínimo, no patamar dos grupos que o utilizam. Qualquer definição que generalize as razões de se estar no Facebook pode ser um erro na medida em que não falamos por todos. O erro recorrente em pesquisas na internet se dá a partir da tentativa de generalização das reflexões. Pesquisas quantitativas não nos dão mais do que quantidades. Há estudos que dizem concluir, a partir de observações restritas ao mundo online de alguns perfis de usuários desta rede social, como se dá o comportamento dos usuários do Facebook e quais as principais motivações de se estar lá. Não é possível generalizarmos tais conclusões. O Facebook é único para cada um de seus usuários. Isto é o que nos ensina a Antropologia. Ao invés de buscarmos entender um objeto como o FB considerando que todos seus usuários são iguais, só conseguiremos compreender mais profundamente os fenômenos que o envolve constatando que os que o utilizam o fazem por razões diferentes. Por exemplo, dizer que no Facebook haja três categorias de comportamentos online: hanging out, messing around e geeking out, como querem que acreditemos os autores de um livro que traz como título estas três categorias é um equívoco. Este livro apresenta uma pesquisa realizada na superfície porque busca amplitude em não profundidade em seu caminho. O mundo do marketing nos trouxe um vício arriscado, imaginar que o consumidor de coca-cola, por exemplo, seja o mesmo indivíduo no mundo todo e que podemos ser todos iguais quando o assunto é este refrigerante. Assim trabalha o livro Hanging Out, Messing Around and Geeking Out. Para seus autores, os jovens que utilizam a internet se dividem em três grupos e ponto final. Como se realmente a hipótese da Aldeia Global de McLuhan tivesse finalmente chegado ao seu ápice. Para o senso comum, globalização seria isso: somos todos cada vez mais iguais no mundo todo. Entretanto, as diferenças culturais, geográficas, socioeconômicas e políticas garantem a distância que estamos desta normalização da vida, quando todos pensariam igualmente, comprariam as mesmas coisas, teriam os mesmos desejos e usariam a internet pelas mesmas razões.
O mundo da publicidade também insiste na ideia de que somos todos iguais diante de um determinado desejo de consumo, como se isto fosse possível. Todos que tomam coca-cola ou usam uma marca de roupa são iguais, pois compram a mesma marca. A antropologia mostra o contrário. Nenhum consumidor de coca-cola ou de determinada marca de roupa consome pelo mesmo motivo, através das mesmas motivações. Cada momento de consumo é único e cada razão tem sua peculiaridade. Pesquisar o Facebook apenas através de suas páginas online nos leva a generalizações que tornam nossos estudos superficiais, restritos e imediatistas como é o caso do livro que comentei. Pesquisadores que estão focados em uma compressão mais aprofundada da cibercultura precisam se esquivar dos métodos já consagrados, apesar de exigidos pelos dominantes, e escapar da tentação do imediatismo e comodismo da restrição do campo às fronteiras da internet. Há publicações, além do livro que citei, que seguem a linha da superficialidade ao categorizar usuários da internet entendendo seus comportamentos, atitudes e desejos como genéricos. O resultado é um ciclo de apontamentos e trabalhos que não fazem mais do que dizer sempre a mesma coisa, idealizando a internet como um ambiente democrático que propicia liberdade criativa aos jovens e enxergando os mais jovens como nativos digitais e os mais velhos como seres que tiveram que aprender o uso da tecnologia à força. A vida acontece além destas fronteiras fechadas e deste determinismo tecnológico que tornam parciais os estudos da cibercultura. Precisamos ir além para realmente discutirmos o que a tecnologia atual tem feito conosco. Não será com visões amplas e, portanto, superficiais que conseguiremos entender o consumo que a tecnologia tem feito de nós e não o contrário. Saber que o iPad 2 tornou-se objeto de desejo e distinção entre indivíduos, nós já sabemos. Agora, saber o porquê este aparelho que ainda precisa mostrar sua função consome de nós muito mais do que apenas o nosso dinheiro.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Talvez exista outra Londres




Tenho me estranhando um pouco com algumas coisas que vejo por aqui em Londres.
Em boa parte de minha vida ouvi muitos dizerem que os ingleses eram educados e pontuais. Também ouvi muitos tomarem Londres como com um dos exemplos para se defender determinadas posições políticas como é o caso do prefeito Kassab com seu "cidade limpa" e alguns que, evangelicamente, pregam o fim da publicidade infantil como a resolução dos problemas relacionados à infância em nosso país.
Em primeiro lugar, basta usarmos uma única vez o metrô (tube - nome mais do que adequado) aqui em Londres em horário de pico para percebermos que qualquer generalização pode nos levar ao erro. Ser educado, sem dúvida, está longe de ser o que se pode ver e experimentar nos corredores e nos vagões dos tubes. Um indivíduo pouco atento é facilmente atropelado por homens e mulheres que usam os extensos corredores das estações como pista de corrida e, às vezes, podemos nos lembrar do tromba-tromba dos parques de diversões. Aqueles conhecidos lugares preferenciais para grávidas e idosos não funcionam muito bem por aqui, a lei parece ser a do mais rápido e quando este está sentado em um destes lugares prefenciais basta abaixar a cabeça e preservar-se no direito de desprezar a existência dos outros.
Uma cena outro dia me chamou a atenção. Enquanto a maioria esperava para entrar no vagão do metrô em uma estação, uma jovem super apressada e ansiosa ultrapassou a todos às cotoveladas. Esbarrou e empurrou várias pessoas até conseguir sentar-se antes dos que estavam à espera há mais tempo. Ao acomodar-se tirou seu estojo de maquiagem da bolsa e começou a se pintar como se nada tivesse acontecido. Vai ver qe se tratava de uma maquiagem de emergência. Uma das vítimas do atropelamento da jovem, uma senhora com mais ou menos o dobro da idade dela, chegou a reclamar, mas esta ignorou totalmente focando-se em seu espelhinho. A questão é que por aqui o individualismo, típico desta modernidade que se dilui rapidamente, é flagrado de forma muito evidente. Uma amiga que morou por aqui algum tempo sempre disse que morria de medo de ter algum ataque no meio da rua e morrer por falta de socorro pelo fato das outras pessoas preservarem o direito dela de morrer subitamente sozinha no meio da rua. Confesso que a inexistência do outro me incomoda. É como se vivessemos isoladamente em meio a muita gente. Sem dúvida, há ganhos neste tipo de postura. Ninguém se preocupa com o que você veste, com o que você faz etc. Cada um na sua, não é este o lema da pós-modernidade? Entretanto, sabemos que não é possível chegar a algum lugar sozinho. Não é por acaso que aqui se encontra a clínica de psicanálise do mundo: a Tavistock. Nunca discutimos tanto conceitos como comunidades, amizade, tribos, redes e nunca vivemos tão sozinhos em meio à multidão. Estar agrupado não é sinônimo de estar junto. Grupo é diferente de time, mais de mil amigos no Facebook não nos garante diante da ameaça da solidão.
"Polite"? Onde, quando? Ah sim, depois de levar um empurrão ou um chute na canela, você ouve um belo e educado "sorry".
Sem dúvida há muitos individuos educados e prestativos pelas ruas de Londres. Nosso landlord faz juz ao "lord". Sr. Charles parece ter saído daqueles filmes de época que assistimos no cinema. Pensando um pouco, notamos que indivíduos educados e mal-educados temos nós também, aos montes. Quantos sr. Charles não nos deparamos ao longo de nossas vidas? Novamente, o erro da generalização poderia nos levar a uma idealização que nos tira de perto a realidade.
Nunca a expressão "para inglês ver" fez tanto sentido. A pontualidade britânica tem uma variação de mais ou menos 15 minutos. Eles mesmos reconhecem que a fama da pontualidade foi uma criação de algum cidadão de outro lugar que estava um tanto empolgado com a vida britânica.
Também é normal por aqui mudarem o ponto final de um ônibus sem qualquer explicação e deixarem os passageiros no meio do trajeto sem saberem muito o que fazer. Muitos, acostumados com este descaso, vão até o primeiro pub que encontram tomar uma outra pint antes de resolver o que fazer para chegar em casa. Aliás, o ambiente dos pubs é um dos bons exemplos desta cidade. A maioria deles é democrática, lugar para todos. Digo a maioria porque em um ou em outro sempre podemos ter problemas com os atendentes ou frequentadores. Nada diferente do que já conhecemos.
Por outro lado, é estranho ter por parte de alguns políticos da cidade de São Paulo a justificativa do tal "Cidade Limpa" pautada em falas como "na Inglaterra é assim" e, portanto, aqui também deveria ser. Como se, o que fosse bom para os ingleses seria para os brasileiros. Não quero criticar a ideia do "cidade limpa" que reelegeu o nosso popularesco prefeito e tirou das ruas de São Paulo a poluição visual dos outdoors e painéis que realmente eram exageradamente explorados. Entretanto, se observarmos atentamente, esta ação populista lotou nossas estações de metrô com anúncios e lojas. As escadas e corredores de algumas estações lembra a 25 de março. Talvez para este prefeito nosso metrô não seja parte da cidade e, portanto, não precise estar limpo. Ou talvez os interesses sejam outros.
E o marketing infantil? Os fundamentalistas que estão com voz forte em nosso país adoram dizer que aqui na Inglaterra é proibido isto e aquilo em relação ao marketing infantil. Dizem estes: "lá o marketing infantil é proibido e não há publicidade voltada às crianças", "defendemos a proibição como é praticada em países de primeiro mundo como a Inglaterra". Que proibição? Em qualquer loja por aí você consegue comprar uma espingardinha de brinquedo e as vitrinis das lojas são lotadas de publicidade. As crianças bricam, como em outros tempos, com armas de brinquedos, espingardas de plástico etc. Nem por isso a criminalidade aqui é alta e as crianças deixam de ter infância. Muito pelo contrário. Aliás, Londres é uma cidade super amiga das crianças. São centenas, milhares nas ruas participando do dia-a-dia da cidade e dando uma leveza à dura vida Londrina. É comum algumas sorrirem para você nos vagões de metrô.
O que é proibido por aqui é o acesso fácil às armas de verdade, não as de mentira. Parece irônico um país onde um plebiscito politicamente construído aprove a posse de arma de fogo ao mesmo tempo em que proíbe a venda de armas de brinquedos para as crianças. Não sou a favor das armas de brinquedos, sou sim é radicalmente contra termos uma política que mune os crimonosos com armas para serem usadas contra nós mesmos.
E aqui eles permitem sim propaganda infantil na TV. O que realmente acontece é que há uma preocupação diferente por parte dos envolvidos com o marketing infantil. Como em outros países da Europa como da América do Norte, empresas, agências de publicidade, governo e representações legitimadas da sociedade decidem o que é ou não adequado para ser veiculado. Desta forma o desequilíbrio de forças é melhor equaciondao. Atenua-se o conflito entre empresas e interesses públicos. Quando não há o diálogo entre estas duas partes, como em nosso país, o jogo fica desequilibrado, vira caso de polícia.
A preocupação com as crianças em relação à mídia tanto aqui na Inglaterra como em outros países da Europa como já observei em outro post está em outro lugar. Há uma busca pelo melhor conteúdo dos programas de TV. Basta darmos uma olhada na qualidade das produções infantis da BBC. Com o conflito de interesses em torno da publicidade equacionado de forma madura, pode-se focar nos pontos mais relevantes e contar com a TV como aliada e não como inimiga, herança discursiva típica dos anos 70em nosso país, quando futebol e novela eram considerados instrumentos de alienação. Além disso, as crianças não são expostas às novelas das oito com suas cenas eróticas e diálogos complexos demais para serem compreendidos pelos pequenos. Ao invés de gastar energia e recursos tentando proibir o anúncio de um tênis do Homem Aranha na TV, a busca em aprofundar o conteúdo infantil trazendo mensagens direcionadas à educação, à tolerância, à preservação do meio-ambiente parece bem mais adequado, não?
O interessante é que as coisas boas daqui que tornam esta cidade uma das melhores do mundo para se viver não são lembradas nem pelos nossos políticos nem pelos fundamentalistas da anti-publicidade.
Os parques são lugares inesquecíveis com opções de lazer arrasadoras. Uma cidade grande precisa de pulmões, precisa de áreas verdes para sua população relaxar. Uma cidade com foco no lazer tende a ser uma cidade mais sadia, mais tranquila. Nunca ouvi um político de São Paulo mencionar os parques que "lá" em Londres existem e em São Paulo não. Muito pelo contrário, estimulam a especulação imobiliária ao máximo sufocando cada vez mais as ruas de nossa cidade, inflando o valor dos imóveis para se lucrar mais e mais, deixando seus habitantes com quase nenhuma opção de lazer. A não ser que tenha uma alta renda e pague muito bem por isso. Precisaríamos de, no mínimo, uns 30 Ibirapueras em São Paulo para podermos aliviar nossa tensão diária. São Paulo é uma cidade tensa, nervosa, agressiva com seus habitantes. Também não ouvimos nos discursos dos que dizem proteger as crianças qualquer menção às áreas de lazer, aos parques como opção à TV e ao computador que afirmam prejudicá-las. Só ouvimos dizerem "desligue a TV", "parem de jogar videogame", "saiam das redes sociais da internet". As crianças menos privilegiadas financeiramente de São Paulo desligam a TV e o computador e fazem o que e onde? Talvez este discurso "desligue TV" refira-se apenas às crianças que vivem em imensos condomínios fechados com amplas áreas de lazer. Estes têm o que fazer, para onde ir. Os menos privilegiados não têm opção. É preciso democratizar o discurso, incluir todos e não apenas alguns.
Outro ponto que nossos políticos e apolcalípticos da publicidade se esquecem de comparar. Os museus londrinos são exemplos de organização, qualidade de acervo e divulgaçao da cultura. E são de graça. Crianças e adultos são vistos aos montes nos corredores consumindo o que as obras de arte ali expostas têm para oferecer.
E o rio Tâmisa? Sem cheiro, navegável e com paisagens inesquecíveis às suas margens. Este rio é outra opção de lazer imperdível para quem por aqui passa ou aqui habita. Nada como passear às suas margens no final de tarde. Também estou à espera de um político paulistano que compare nossos tão judiados Tietê e Pinheiros com o Tâmisa.
Parece ser mais adequado a eles travar uma disputa de poder entre os partidos para provar quem é mais ou menos corrupto.
Por estas e outras que tenho pensado senão desembarquei em uma Londres diferente das dos políticos e fundamentalistas da anti-publicidade. Que seja dito que, normalmente, não gostamos de dizer: quando convém, compara-se nosso país colocando-o na condição de "atrasado", quando não, finge-se que está tudo bem e a culpa é do outro partido, do governo anterior, das empresas e do coitado do brasileiro que trabalha, trabalha e trabalha e leva a fama de dar um jeitinho em tudo. Damos é um jeitão para tornar nosso país um excelente lugar para viver, apesar de seus políticos e de sua politicagem.